domingo, 31 de julho de 2011

A festa de Aline

Aline nasceu dez anos e mais um dia antes de mim, e sempre nos uniu a coincidência dos nossos aniversários. Todos os seres humanos próximos buscam se unir em pequenas e grandes coisas, e essas pequenas muitas vezes são as mais importantes.

Ontem á noite fui á festa de Aline, num castelo medieval onde havia muitos arqueiros e um bárbaro de gritos guturais e de cabelos longos ruivos que gesticulava obscenidades inocentes para uma plateia faminta e sedenta. A plateia aplaudia e pedia mais.

No meio do salão, alguns mortos-vivos pendurados pelas paredes me olhavam, ora de soslaio, ora tão penetrantemente que ás vezes até me deixavam assim meio encabulada.

Um deles me disse que seu nome era James. James Douglas Morrison, repetiu ele devagar para ter certeza de que se faria entender. Eu olhei para ele mas ele olhava apenas para si mesmo. De seu pescoço saltava um grande pomo-de-adão que caracterizava uma masculinidade predatória, ele era mesmo um homem impressionante, pensei.

No outro extremo do salão de bailes havia outra jovem e simpática loura, não seria Aline a única loura da festa, afinal. Essa outra loura, dissimuladamente me olhava. Numa voz balbuciante me disse ser seu nome Norma, mas que eu ficasse quieta a esse respeito, seus amigos a chamavam Marilyn.

Norma me confidenciou os seus dramas de mulher, porque todas as mulheres compartilham seus pequenos grandes dramas. Eu também eu também, tive de concordar com ela algumas vezes, ser uma mulher solidária, porque eu também tenho os meus ... Mas sua fala doce e falsamente tímida foi ficando perturbadora á medida que ela prosseguia. A música de bardo do bárbaro já não se sobrepunha ao barulho do meu coração louco e descompassado, de maneira que tive que deixar Norma e me dirigir ao toillete, apressada.

Não notei a fila e ia me desviando de outra garota loura que vociferou de raiva por eu ter passado á sua frente, ela discutia com um namorado ocasional algo que enchia seus olhos de lágrimas. Parecia só e desiludida em sua bad trip e talvez me enxergasse com olhos irreais, ela olhou-me com raiva infantil e eu esperei um xingamento mas de sua boca saiu um patético “looser”. Meu riso cascateava por dentro, tive vontade de retrucar com a frase de Clarice “Se eu fosse uma vencedora eu morreria de tédio”, mas me calo e a deixo passar.

Ela entra no banheiro e eu recomendo ao seu namorado cautela ao lidar com as mulheres instáveis. Ele me sorri, curioso e chapado, e conversamos amenidades até que ela saiu com o rosto transformado e úmido.

Eu entro, retoco a minha maquiagem e tento esquecer os meus mortos, que eles descansem em paz ou tentem viver uma nova vida, faço votos insinceros.

Ao sair procuro por Aline e de repente todos estão procurando por ela. Aline circulava leve, e borboleteando entre uma mesa e outra se dividia entre diferentes rodas, família, amigos, trabalho, e não era essa a divisão? Ocorre que ás vezes os limites são muito tênues e tudo acaba se misturando numa anárquica celebração de muitos anos de vida.

Quanto á mim, o que me resta é entregar-me á música e ao momento, á mistura de sons e silêncios, excitações e pausas. Que me conduziam e me faziam sentir minhas incômodas densidades se esvaindo em leveza, em prazer, em êxtase, em nada.

A música do bárbaro tinha o dom de aquietar os meus demônios.

Acordo na manhã seguinte com a alma leve e o corpo doído, a me lembrar que a balada é para os jovens com “x”. O som do telefone estridente e alguém me chamando para o almoço, respondo que já vou, apenas preciso de um tempo para um café bem forte.

Dedico este texto a Aline, que faça muitos e felizes aniversários.

2 comentários:

  1. qualquer coisa pra mim =)

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  2. Querido anônimo,
    Obrigada!
    Embora eu pense que saiba quem é você, por favor da próxima vez poste também o seu nome e dê a sua opinião sobre o texto =D

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