segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Uma tentativa de definição.

Eu não gosto de definir pessoas.
Muito menos a mim mesma, pois não quero cair na armadilha de supor conhecer aquilo que (supostamente) me seria familiar.

Mas um dia, no meio de um domingo cinza, encontrei em um livro de Clarice Lispector quase que um espelho.

“Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustroso que apesar de inteiramente selvagem – pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela – apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come ás vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo selvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com o seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai.”

Clarice Lispector, em Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres.

domingo, 22 de novembro de 2009

Indefinições

Se eu não for o que tu queres,
Deixe-me ao menos ser eu mesma
De cacos colados e cicatrizes
Frases imperfeitas, atitudes exatas: eis-me aqui.

Se eu não sou exatamente o que desejas,
Expressarei meus desejos ao mundo, e
Neste tão grande e caótico mundo,
Há de haver espaço para o desejo de uma mulher.

Se eu sou demais para ti,
É porque nem sempre caibo em mim mesma,
Transbordo e extrapolo, desconhecendo limites claros
Que ainda estou buscando...

Se algum dia te assustei, porque em mim viste algo extremo
Não queiras classificar-me, pois
Não caberei em teus conceitos
Mas te permito olhar-me mais, e mais uma vez ainda.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Verdade interior

Esta semana refleti muito sobre a verdade de cada um. O que exatamente nos define como seres únicos?
O que pode mudar em nós ao longo de nossas vidas e o que permanece como a verdadeira essência de alguém?
Será que o que muda ao longo dos anos é a nossa essência, ou nos permitimos revelar a nossa essência ao longo da vida, á medida que nos desvencilhamos de condicionamentos, falsas crenças e ilusões juvenis?
Eu acredito mais na última hipótese...mas ainda posso mudar de opinião.

Autenticidade é ter coragem de ser aquilo que se é.
Feliz daquele que se permite ser verdadeiro, sob qualquer circunstância.
Essa é a liberdade, muitas vezes tardia, mas sempre desejada.

Posto aqui um texto anônimo, extraído do livro “Autossabotagem”, de Bernardo Stamateas, que reflete isso de uma forma metafórica:


“Era uma vez, no país das Pedras, uma pequena pedra que estava empenhada em ser uma pedra preciosa para ser importante e admirada por todas as outras. Por isso tinha em sua casa uma impressionante coleção de fantasias. Tinha de esmeralda, de rubi, de safira, de diamante, de prata e de ouro. Eram reproduções quase exatas. Quando as vestia, pareciam realmente verdadeiras.
E a isso havia que acrescentar quão bem a pequena pedra interpretava seu papel. Quando estava disfarçada de esmeralda, falava como as esmeraldas, caminhava como as esmeraldas, comportava-se como as esmeraldas. Não havia detalhe que lhe escapasse e que a pudesse delatar.
Mas tinha que ter cuidado com uma coisa: não podia receber diretamente a luz do sol, porque então descobririam que não era transparente como as verdadeiras esmeraldas. O mesmo acontecia com as fantasias de rubi, de safira e de diamante. De modo que só as vestia á noite ou ao entardecer. Durante o dia, disfarçava-se de ouro ou de prata. Mas, com essas fantasias, havia o perigo contrário: quando não batia a luz do sol, deixavam de parecer ouro ou prata verdadeiros. Porém, a pequena pedra mantinha tudo muito bem controlado.
E assim foi passando sua vida. Ninguém se deu conta da trapaça. Os que a conheciam como esmeralda tinham por ela uma grande admiração e apreço. E o mesmo ocorria com os que a conheciam como diamante, como ouro, como safira, como rubi ou como prata.
Mas um dia, estando a pedra tomando sol fantasiada de ouro, um homem que passava por ali ficou deslumbrado com seu brilho e a pegou. Ao ver que era ouro, deu um pulo de alegria e foi correndo consultar um joalheiro para que lhe dissesse qual era o seu valor. Mas, quando o joalheiro a examinou, viu que era uma simples pedra coberta por uma capa dourada. Então, o homem, desiludido, jogou-a pela janela.
Ao cair no chão, a pedra quebrou-se em mil pedaços e, surpreendentemente, viu-se que seu interior estava ocupado por um diamante de grande qualidade e de um valor incalculável. Um diamante que nunca pudera sair á luz porque a pequena pedra havia se empenhado durante toda a vida em imitar outras para ser valiosa e importante
.”